Nas Democracias todo poder emana do Povo.
A nossa Constituição chama esse poder do povo de “soberania popular”, termo que define o supremo poder da sociedade na República democrática brasileira.
Nossa Constituição também determinou que a forma da sociedade exercer esse poder para exigir algo do Estado, ou fazer aprovar, ou reprovar, uma Lei, é manifestando a vontade da maioria através consultas populares, em plebiscitos, referendos e iniciativas populares (Art. 14 CF).
Nos dez anos que transcorreram desde a promulgação da nossa Constituição até 1998, mesmo que ainda não houvesse sido regulamentada qualquer forma legal para a sociedade exercer a soberania popular no Brasil, nosso povo ainda podia se considerar democraticamente soberano.
Porém, em 1998 com a promulgação da Lei 9.709, o Estado Democrático de Direito no Brasil foi maculado pelo Congresso Nacional.
Essa Lei 9.709, que tinha como propósito declarado regulamentar o Artigo 14 da Constituição para o exercício da soberania popular veio, de fato, a impedir que consultas populares pudessem ser convocadas diretamente por iniciativa da sociedade, castrando toda e qualquer possibilidade de livre manifestação da vontade da maioria inclusive, e principalmente, em relação às mais cruciais questões nacionais.
Com a Lei 9.709, o exercício da soberania popular no Brasil restou submetido à censura prévia e a interesses particulares e “políticos” dos representantes eleitos que estiverem em plantão no Congresso Nacional.
Nossos congressistas de 98, eleitos para atuar como súditos da Nação, prestando-lhe fielmente os serviços constitucionais para os quais foram designados, em um único golpe fizeram-se soberanos na República. E do povo descuidado, fizeram-no súdito, mero pagador de impostos, submisso às vontades das maiorias no Congresso e condenado à eterna alienação no processo político.
E essa “senhoria” foi ficando de herança para os sucessores daqueles legisladores de 98, herdeiros que se saciam até hoje da nossa soberania subtraída.
Enquanto a Lei 9.709/98 não for aperfeiçoada a sociedade brasileira não poderá concretizar um único ato de soberania popular se o Presidente da Câmara não quiser. E, se ele deixar, a consulta popular dependerá da aprovação da maioria dos Deputados e, depois, ainda, dependerá de o Presidente do Senado deixar seguir o projeto e, se ele deixar, finalmente, a consulta popular só acontecerá se a maioria dos Senadores aprovar.
Em virtude desse intransponível atoleiro político criado com a Lei 9.709, e mantido escamoteado até hoje, consultas populares só aconteceram 2 vezes no País, com a realização de apenas um plebiscito e um referendo, durante os 34 anos da nossa Constituição. E, ambos os casos, não tiveram origem em proposituras populares.
Entretanto, no mesmo período nossos legisladores já emendaram e remendaram nossa Constituição mais de 140 vezes, sendo 29 na legislatura passada, e 19 vezes só em 2022. Mas, em nosso Congresso Nacional ainda não surgiu sequer um parlamentar que cogitasse na possibilidade de levar a referendo da sociedade qualquer uma dessas “Emendas”.
Com a Lei 9.709 nossa Constituição deixou de ser um contrato social entre todos os brasileiros e brasileiras e ficou estabelecido que ela é só um texto base que os congressistas de plantão, sempre que desejarem, poderão mudá-la e moldá-la segundo seus próprios humores e interesses.
Nas últimas três décadas, essa foi a fórmula que permitiu às lideranças congressistas manter a sociedade brasileira bem afastada de todas as suas “negociações” políticas. E, hoje, o resultado desse longo processo de alienação da sociedade é esse que aí está. É como encontramos o Brasil e o nosso Congresso em Janeiro de 2023.
A Lei 9.709 infectou nossa Democracia e a colocou em risco semelhante ao de uma doença terminal invisível que se não identificada desde cedo, e logo combatida, vai se alastrar até ser tarde demais para qualquer tratamento.
A soberania popular é fundamento estruturante na Democracia. Talvez, mesmo, o seu principal fundamento. Se desejamos ter um verdadeiro Estado Democrático de Direito, não há como desistirmos de conquistar uma forma livre de manifestação da soberania popular.
Para haver Democracia de fato, que exige participação (de fato) da Nação, é imprescindível que haja uma forma legal da sociedade manifestar o seu poder constitucional, livre e diretamente através apuração da vontade da maioria em consulta popular.
Porque votar para escolher representantes não é a única forma constitucional de exercitar a soberania popular..
Segundo nossa Constituição (Art. 14) a soberania do povo pode ser exercida de forma direta através plebiscito, referendo ou projetos de lei de iniciativa popular (PLIP).
Portanto, a Democracia formulada na Constituição de 88, essa que agora estamos retomando seu processo de construção, não pode mais carregar essa mácula de trazer a soberania do povo subjugada pela espada dos políticos de plantão no Congresso Nacional.
Assim, o presente PLIP é uma iniciativa constitucional que parte da sociedade para introduzir uma reforma na Lei 9.709/98, incluindo um comando normativo que obriga a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados a autorizar os pedidos para consultas populares advindos da sociedade, que atendam as normas estabelecidas nesta Lei reformada e, ato contínuo, comunicar a Justiça Eleitoral para realização da consulta popular.
E esta reforma na Lei 9709/98 também vai obrigar a Justiça Eleitoral a gerir um aplicativo para cadastramento das petições de consultas populares que permita aos eleitores e eleitoras fazerem adesões de forma simples e rápida, utilizando o próprio banco de dados da justiça Eleitoral.
Finalmente, a coisa mais importante deste PLIP que é obrigar o Congresso Nacional a submeter a referendo da sociedade toda e qualquer Emenda Constitucional, que lá venha a ser aprovada.
Fernando Di Lascio
Relator